O TSE já sabia que as urnas eletrônicas são vulneráveis a um ataque interno (inside job). Mesmo assim, manteve o “portal do inferno” aberto para os resultados eleitorais serem questionados. Qual é a jogada? Entenda tecnicamente como as urnas poderiam ser corrompidas e a joint venture entre Bolsonaro e Alexandre de Moraes para aprofundar o…
Faltando 4 dias para as eleições de 2022, repercutiu a notícia de que o PL contratou uma auditoria sobre o processo eleitoral. Segundo os resultados da auditoria de conformidade do PL no TSE, existem dois problemas:
“Não há um processo de gestão de riscos de segurança da informação no TSE.”
“Somente um grupo restrito de servidores e colaboradores do TSE controla todo o código fonte dos programas da urna eletrônica e dos sistemas eleitorais. Sem qualquer controle externo, isto cria, nas mãos de alguns técnicos, um poder absoluto de manipular resultados da eleição, sem deixar qualquer rastro.”
O assunto parece complicado para quem não conhece muito os detalhes técnicos. O objetivo desse artigo é tentar explicá-los de maneira mais simples e contextualizada. Sem esclarecimento, provavelmente o Brasil continuará por muito tempo enfiado nessa polarização cujos torcedores ou defenderão cegamente o impostor Jair Bolsonaro e suas teorias da conspiração, ou defenderão acriticamente as instituições golpistas e suas medidas autoritárias promovidas a título de “defesa da democracia”.
A questão de fundo não é quem está dizendo a verdade. Ninguém está. O que importa é entendermos qual é o jogo que está sendo jogado. E antes de partir para a defesa do bem contra o mal nunca é demais lembrarmos que, como nos ensina o filósofo:
O caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções.
O estado de exceção promovido pelo teatro “Bolsonaro vs. STF”
Voltando ao relatório de auditoria apresentado pelo PL e à questão sobre porque é que, mesmo após alerta sobre vulnerabilidades das urnas eletrônicas a ataques internos e, consequentemente, ao processo eleitoral, o TSE não fez nada.
Nossa tese é a de que interessa às elites econômicas (Fiesp e Febraban) e geopolíticas (EUA) que mandam no Brasil e têm como objetivo saquear nosso país e explorar nosso povo:
- a restrição das nossas liberdades democráticas;
- a degeneração das instituições ditas democráticas, e;
- a instalação de um estado autoritário e de exceção no nosso país.
Assim, não se deve compreender Bolsonaro e STF/”Xandão”/Instituições como dois pólos opostos ou adversários reais entre si. Ambos são atores que trabalham em conjunto para o aprofundamento da mesma agenda anti-democrática, anti-nacionalista e entreguista que ficou mais aparente a partir de 2014.
As raízes mais contemporâneas desse jogo, contudo, começam no assalto contra o Brasil que começou em 2006, quando descobrimos o pré-sal (durante o governo Lula) e decidimos investir 75% dos royalties do petróleo na educação e 25% saúde públicas (em 2013, durante o governo Dilma).
A insegurança eleitoral, o caos institucional e as medidas autoritárias que vêm sendo produzidos com questionamentos sobre a confiabilidade das urnas e o resultado das eleições são uma joint venture entre canalhas.
O TSE já conhecia a vulnerabilidade técnica das urnas a ataques internos e o risco disso servir como pretexto para questionarem os resultados eleitorais
Em 16/8/2021, mais de um ano antes do 1º turno das eleições de 2022, uma importante rede de organizações da sociedade civil, a Rede pela Transparência e Participação Social – RETPS enviou um ofício ao TSE. A RETPS protocolou formalmente o pedido para o TSE dar transparência aos códigos-fonte dos softwares que rodam nas urnas eletrônicas:
Preocupadas em fortalecer a transparência e a democracia, as organizações apontaram ao TSE duas fragilidades técnicas:
“a. Da suposta vulnerabilidade a ataques internos (inside job) e modificações possíveis de serem feitos discretamente no algoritmo do código-fonte do software de votação por programadores autorizados pelo TSE com conhecimento, acesso e disposição suficientes; b. Do acesso ao código-fonte do software de votação para análise e auditoria ser restrito apenas às instituições e indivíduos autorizados pelo TSE, ao invés de estar livre na internet o acesso a uma cópia oficial, completa e atualizada do código-fonte para ser baixado, analisado e amplamente auditado por todas e quaisquer organizações e pessoas interessadas.”
Além das vulnerabilidades técnicas apontadas, a RETPS também alertou ao TSE sobre o risco institucional de não corrigi-las:
“Como é fácil perceber, as críticas e dúvidas referentes a supostas vulnerabilidades das urnas eletrônicas só têm espaço para prosperar devido ao fato de que o acesso a uma cópia do código-fonte do software de votação ainda é restrito.”
E as organizações concluíram o ofício buscando sensibilizar o TSE para a importância de dar ampla transparência do código-fonte:
“Desta forma, além de elucidar questionamentos legítimos, tal medida servirá como poderoso antídoto para neutralizar ataques infundados direcionados à integridade dos softwares — e respectivos algoritmos — das urnas eletrônicas brasileiras.”
Isso foi em agosto de 2021. O TSE respondeu ao ofício em 24/9/2021 com a Informação AGEL nº 71/2021. Em meio ao histórico sobre medidas adotadas pelo TSE contidas na Informação, destacamos o seguinte trecho referente à transparência do código-fonte:
“[...] esclarece-se que a publicação do código-fonte dos sistemas integrantes da urna eletrônica é uma medida que já se encontra em estudos neste tribunal [...]”
Portanto, o conteúdo crítico do relatório de auditoria do PL não é exatamente uma novidade para o TSE. Na pior das hipóteses, a RETPS já havia alertado o TSE em setembro de 2021. Apesar disso, os tais estudos para publicação do código-fonte dos sistemas integrantes da urna eletrônica não convenceram os três Ministros do STF que foram presidentes do TSE desde então – Barroso, Fachin e Moraes – sobre os riscos envolvidos.
Uma ironia do destino: as mesmas instituições que deram o golpe em Dilma, prenderam Lula e elegeram Bolsonaro, hoje são defendidas pela esquerda e atacadas pela direita
Após 4 anos de governo Bolsonaro, as pessoas que não foram dragadas pelo anti-petismo midiático-institucional e/ou pela ideologia bolsonarista não aguentam mais o inferno caótico que tomou conta do Brasil. Vale lembrarmos, contudo, que Bolsonaro não chegou sozinho à presidência da República. Muito longe disso.
Bolsonaro não escalou a montanha que o colocou na cadeira presidencial. Ele foi levado de helicóptero até o topo. As instituições retiraram todos os obstáculos da pista. Foram elas que estenderam o tapete vermelho para Bolsonaro, com apoio irrestrito e explícito dos grandes interesses econômicos representados pela Rede Globo e pela FIESP, para citar apenas alguns. Vamos lembrar:
A responsabilidade das instituições ditas “democráticas” e da “imprensa livre” pela vitória de Bolsonaro em 2018
2014/2021: A Lava Jato, que era vendida como uma operação de combate à corrupção, revelou-se uma operação de perseguição direcionada contra o PT e Lula. As reportagens da série Vaza Jato produzidas pelo The Intercept Brasil graças ao hacker Walter Delgatti Neto desvelaram a corrupção entre o ex-juiz Sérgio Moro, o ex-procurador Deltan Dallagnol e outros integrantes da Operação. Apesar de ter sido o principal beneficiado e de ter convidado Moro para ser seu ministro em 2018, Bolsonaro não teve nada a ver com a Lava Jato. Com a assessoria de imprensa da Rede Globo e de outras grandes empresas jornalísticas, as “instituições democráticas” é que realizaram a Operação Lava Jato:
- Polícia Federal.
- Ministério Público Federal.
- Conselho Superior do Ministério Público Federal.
- 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (Sérgio Moro).
- Superior Tribunal de Justiça.
2015/2016: O processo de impeachment de Dilma Roussef foi uma farsa baseada num crime de responsabilidade que não aconteceu. Bolsonaro era apenas um mero mercenário do Centrão naquela época. Não foi Bolsonaro quem realizou o impeachment. O impeachment aconteceu pelo conluio da Rede Globo, Veja, Folha de S. Paulo, Estadão, FIESP e, novamente, as instituições:
- Câmara dos Deputados.
- Senado Federal.
- Supremo Tribunal Federal.
Em 18/3/2016 Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula como ministro da Casa Civil de Dilma Rousseff. Os demais Ministros e o então Presidente do STF, Lewandowsky, não fizeram nada para reverter a decisão autoritária. Ou seja, novamente não foi Bolsonaro, mas o STF, uma das “instituições democráticas”, que foi retirando todos os obstáculos para o surgimento do bolsonarismo:
- Supremo Tribunal Federal.
Em 07/4/2018 Lula foi preso faltando seis meses para as eleições de 2018. Como muitos devem se lembrar, Lula já era na ocasião o candidato oficial do PT e liderava a disputa contra a ameaça fascista. Os posicionamentos anti-democráticos de Bolsonaro já eram conhecidos por qualquer terráqueo em 2018. Apesar disso, não é demais lembrarmos, ele não teve nada a ver com a prisão de Lula. Quem mais uma vez realizou o trabalho sujo, sempre com espetacular cobertura midiática, foram as “instituições democráticas”:
- 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba (Sérgio Moro), que fez um “speedrun“ para condenar Lula em tempo recorde, visando interferir na corrida eleitoral de 2018.
- Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que condenou Lula em 2ª instância também em tempo recorde, tornando-o “ficha suja” e, consequentemente, inelegível.
- Supremo Tribunal Federal, que rejeitou os pedidos de habeas corpus preventivo.
O papel do Tribunal Superior Eleitoral: todos já sabiam que, sem Lula na disputa, Bolsonaro venceria as eleições
Em 31/8/2018, o Tribunal Superior Eleitoral indeferiu a candidatura de Lula.
Em 12/9/2018, o Tribunal Superior Eleitoral formalizou a substituição de Lula por Fernando Haddad como candidato do PT à presidência.
As pesquisas eleitorais para as eleições de 2018 não deixavam qualquer dúvida sobre o que aconteceria se Lula fosse impedido de disputar as eleições com Bolsonaro (lembremos, a ameaça fascista):
- Pesquisa BTG Pactual/FSB de 1-2/9/2018:
- Com Lula: 1º Lula com 37%, 2º Bolsonaro com 22%, 3º Ciro com 7%.
- Sem Lula: 1º Bolsonaro com 26%, 2º Ciro com 12%, 3º Haddad com 6%.
- Pesquisa XP/Ipespe de 3-5/9/2018:
- Com Lula: 1º Lula com 33% , 2º Bolsonaro com 22%, 3º Ciro com 8%.
- Sem Lula: 1º Bolsonaro com 20%, 2º Haddad com 14%, 3º Ciro com 10%.
- Pesquisa CUT/Vox Populi de 7-11/9/2018:
- Com Lula: 1º Lula com 38%, 2º Bolsonaro com 18%, 3º Ciro com 7%.
- Sem Lula: 1º Haddad com 22%, 2º Bolsonaro com 18%, 3º Ciro com 10%.
Ao fim e ao cabo, como todos sabemos, a “força-tarefa” empreendida pelas “instituições democráticas” para retirar Lula da disputa surtiu o resultado esperado e elegeu Bolsonaro:
- Primeiro Turno em 07/10/2018: Bolsonaro 46%, Haddad 29%, Ciro 12%.
- Segundo Turno em 28/10/2018: Bolsonaro 55%, Haddad 45%.
Parabéns a todas as instituições envolvidas!
O patrocínio do “mercado” representado por Globo e FIESP na promoção do antipetismo e do bolsonarismo
Por último, mas não menos importante, merece destaque o papel das grandes empresas de comunicação na promoção do clima antipetista que levaram ao impeachment de Dilma, à prisão de Lula e à vitória de Bolsonaro. Foram anos de massacre midiático antipetista, especialmente da Rede Globo. Quem não se lembra das incontáveis horas de Jornal Nacional com oleodutos vazando dinheiro ao fundo de William Bonner, com suas caras e bocas?
Quem não se lembra, também, da campanha ativa patrocinada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a FIESP, com sua propaganda golpista pelo impeachment de Dilma?
Em nome da democracia, a esquerda ultra moderada defende as instituições golpistas – como STF e TSE – que pavimentaram o caminho para Bolsonaro chegar à Presidência
O Brasil tem uma longa tradição de sofrer golpes de Estado. Nas assim chamadas “democracias”, as instituições cumprem importante papel de normalização da barbárie. Para quem estudou a história ou a viveu na própria pele, as coisas não deveriam ser tomadas pelo valor de face, mas pelo que elas realmente são.
O fato de serem chamadas de “instituições democráticas” e do nosso regime ser chamado de “democracia” não deveria ser levado muito a sério. Está aí Bolsonaro como prova viva de que não vivemos uma verdadeira democracia no Brasil: ele só se tornou presidente porque Lula foi preso em 2018… pelas instituições “democráticas”.
Apesar disso, não é demais lembrarmos do posicionamento institucionalista quase-religioso das lideranças do PT e do próprio Lula. Durante toda a jornada de golpes que levou à eleição de Bolsonaro em 2018, Lula, que passou 580 dias preso, sempre disse acreditar na Justiça.
Após todos os golpes e aberrações que vivemos desde 2014 no Brasil, as pessoas que se consideram de esquerda, ou progressistas, ainda assim defendem as instituições. Fazem isso em nome de “combater o fascismo”, supostamente representado por Bolsonaro. Supostamente porque, vamos lembrar: todos aqueles que ocupavam as instituições e trabalharam para o surgimento do bolsonarismo já conheciam Bolsonaro antes das eleições de 2018.
Quem estendeu o tapete vermelho para Bolsonaro foram as instituições “democráticas” e a grande mídia “livre”
Bolsonaro foi “democraticamente” eleito graças às incontáveis manobras anti-democráticas promovidas pelas “instituições democráticas” em parceria com as grandes empresas de comunicação (Globo, Abril/Veja, Folha, Estadão, Jovem Pan et caterva). Portanto, se Bolsonaro representa o “fascismo”, as instituições que o colocaram lá representariam o quê… a democracia?
Já as pessoas que se consideram de direita, ou bolsonaristas, atacam as instituições, especialmente o Supremo Tribunal Federal. Trata-se de profunda ingratidão. O STF foi uma das principais instituições “democráticas” responsáveis por Jair Bolsonaro ter chegado à presidência do Brasil.
No fundo, os ataques de Bolsonaro às instituições, especialmente ao STF, são um teatro. Uma farsa. E as respostas do STF no geral e de “Xandão”, em particular”, às bizarrices ditas por Bolsonaro e sua trupe, são um circo. O combate se restringe a pequenos peixes bolsonaristas usados como simulacro institucional de “defesa da democracia”. Bolsonaro e os altos oficiais militares são intocáveis. Os retrocessos reais promovidos pelo governo bolsonarista, idem. E se as instituições produzem um circo, os protagonistas animam a plateia.
A estratégia de criar-se um espantalho feio e assustador como Bolsonaro e colocá-lo como um bode na sala da presidência do Brasil serve a um propósito que, na atual quadra histórica em que estamos, já deveria estar mais claro aos democratas.
A encenação de luta entre Bolsonaro e as “instituições democráticas” serve para promover a escalada de um regime autoritário. O fantasma assustador é usado como um instrumento, um “pé de cabra” para arrombar as portas do regime político, endurecê-lo e instalar um estado de exceções CONTRA as liberdades democráticas da população. Tudo é feito – cinicamente – em nome “da democracia”. Não seria a primeira vez. Provavelmente não será a última.
Numa ponta, a direita defende o autoritário e medonho Jair Bolsonaro. Na outra ponta, a esquerda defende as autoritárias e golpistas instituições denominadas "democráticas".
A partir dessa dinâmica, as instituições vão promovendo rupturas institucionais, ilegalidades, aberrações jurídicas e exceções. Vão rasgando a Constituição supostamente em defesa da Constituição. Isso acontece ao mesmo tempo em que as instituições (Congresso, Tribunais…) foram coniventes com TODAS as aberrações e ataques promovidos por Bolsonaro e sua quadrilha contra os direitos do povo. As instituições não ofereceram qualquer resistência – muito pelo contrário – aos retrocessos na legislação trabalhista, previdenciária, ambiental, privatizações, ataques a indígenas, sucateamento do SUS, entreguismo, crimes de lesa-pátria etc. Todas as destruições atribuídas a Bolsonaro contaram com a cumplicidade das instituições e da mídia.
As instituições não são o pólo oposto ao Bolsonaro
Aonde estavam o STF e “Xandão”, o novo herói da esquerda institucional ultra moderada, quando Bolsonaro estava vandalizando o país, mais do que com palavras torpes, com suas ações e omissões enquanto presidente da República?
Dito de outro modo: quando defendemos as instituições anti-democráticas em nome de um suposto combate ao fascismo, nós, o povo, perdemos nos dois lados do tabuleiro.
De um lado, Bolsonaro (parte do sistema) fez as aberrações que quis. Do outro, as instituições (também parte do sistema) fazem as aberrações que bem entendem. Ao mesmo tempo, o povo pobre e trabalhador sofre as consequências e vai se radicalizando para a extrema-direita porque é ela que se apresenta como “anti-sistema”. E a esquerda institucional ultra moderada, com sua classe média moderadamente progressista, defende as instituições golpistas e os canalhas que as ocupam. Ou seja: a esquerda, de fato, defende o sistema, ou ao menos se apresenta dessa forma.
É uma completa loucura.
Assim, seja vestindo uma camisa verde-amarela ou uma vermelha, cada qual em nome de combater os espantalhos que mais nos assustam, cavamos um pouco mais o abismo em que estamos nos afundando todos juntos.
A questão do voto impresso
Desde 2018, Bolsonaro e sua trupe afirmam – sem ter apresentado provas – que as eleições e o processo eleitoral podem ser fraudados. Eles centraram fogo na defesa da impressão do comprovante de voto e fizeram a PEC do Voto Impresso, alegando que essa seria a única forma de impedir fraudes. Todo mundo que entende tecnicamente do assunto já sabia que imprimir os comprovantes e depositá-los numa urna para conferência posterior não era a única forma de impedir fraudes, ainda que fosse uma forma realmente muito eficaz de aumentar a transparência. O Tribunal Superior Eleitoral sabia. Bolsonaro e seus militares cooptados também sabiam.
Centrando fogo na disputa em torno do voto impresso, TSE e Bolsonaro criaram um espetáculo para suas respectivas platéias. O TSE sustentava um verdadeiro “papo de maluco” em torno das 30 camadas de proteção como se elas fossem suficientes para garantir 100% de integridade ao processo eleitoral. A mídia outrora anti-petista, a oposição anti-bolsonarista e as pessoas de esquerda e progressistas reproduziam o coro de que imprimir o comprovante do voto seria um retrocesso. Isso quando não surgiam as “mentiras do bem” de que o voto impresso ao qual os bolsonaristas se referiam seria uma volta no tempo para as votações em cédulas dos anos 1990.
O jogo da polarização funcionou conforme previa a cartilha. Se Bolsonaro defendia uma medida que, especificamente neste caso, de fato, aumentaria a transparência do processo eleitoral, aos anti-bolsonaristas só lhes restava adotar a posição oposta. Nesse jogo, as cartas e todo o controle das regras estiveram nas mãos de Bolsonaro. A oposição a ele apenas reagiu de forma automática, óbvia e previsível. Deste modo, Bolsonaro conseguiu colocar seus opositores na posição em que ele quis, qual seja, a de defesa incondicional e acrítica do TSE, do sistema eleitoral e das urnas eletrônicas.
Assim, ao fim e ao cabo, de forma canalha e oportunista, Bolsonaro explorou tal como um hacker de instituições uma vulnerabilidade real e já conhecida do sistema eleitoral brasileiro. O outro lado, ao invés de lidar com o ataque, ficou negando a realidade e, tal como um avestruz de desenho animado, achou melhor enfiar a cabeça embaixo da terra. O avestruz, no caso, é o TSE.
Zerésima e Boletim de Urna
Um esclarecimento técnico importante. No início do dia de votação, a urna eletrônica imprime um relatório chamado zerésima. Em tese, esse documento impresso seria prova suficiente de que não existe voto contabilizado para nenhum dos candidatos cadastrados naquela urna. Ao final do dia, a urna imprime o boletim de urna. Em tese, esse outro documento impresso contém os totais contabilizados naquela urna eletrônica.
Por quê em tese?
Porque tudo isso só é verdadeiro se o software instalado dentro da urna eletrônica fizer aquilo que se espera que ele faça. Se o TSE disser que o software faz uma coisa mas, na verdade, o algoritmo tiver sido programado para fazer outra coisa, do jeito que funciona hoje ninguém tem como saber.
Como assim, ninguém tem como saber? Veja bem, se você é uma pessoa religiosa e tem fé no TSE e nas instituições ditas “democráticas”, então não há com o que se preocupar. É acreditar nas instituições e seguir a vida.
Agora, se você não toma as coisas pelo valor de face, ou seja, se você não acredita que as instituições são democráticas apenas porque ficamos repetindo isso o tempo todo, então duvidar e manter o senso crítico afiado nos dá liberdade para duvidar de todo e qualquer argumento de autoridade.
Convenhamos: a segurança e a confiabilidade do processo eleitoral e das urnas eletrônicas jamais deveriam ser uma questão de fé, tampouco depender da integridade de pessoas que, como qualquer pessoa, estão sujeitas a pressões, corrupções, chantagens e ameaças.
Deveríamos confiar nas urnas eletrônicas em si, e não nas instituições responsáveis por elas.
O que diz o próprio TSE sobre o código-fonte do software de votação ser vulnerável a um ataque interno?
Não diz nem que sim, nem que não. Muito pelo contrário.
Os programas que rodam nas urnas são desenvolvidos pelo próprio TSE e não por empresas privadas. Portanto, não são softwares proprietários, que pertencem a alguma empresa. O TSE pode fazer o que quiser com os programas. E o que é que o TSE faz com essa liberdade de dar ou não dar total transparência?
Resposta rápida: o TSE decidiu que os códigos-fonte dos programas que rodam nas urnas NÃO podem ser LIVREMENTE auditáveis por qualquer pessoa.
Os códigos-fonte não estão disponíveis para ser livremente analisados por qualquer pessoa. Ponto. Parágrafo.
Existem diversas plataformas para hospedagem de código-fonte com controle de versão que o TSE poderia utilizar caso quisesse dar 100% de transparência e acabar de uma vez por todas com quaisquer desconfianças. O GitHub e o SourceForge são bons exemplos. Mas o TSE prefere não dar total transparência dos códigos-fonte, manter as urnas eletrônicas alvo de permanente desconfiança e exigir que os eleitores confiem… nas instituições:
O Tribunal Superior Eleitoral diz claramente algumas coisas que merecem ser destacadas antes de explicarmos se as urnas são ou não vulneráveis a ataques internos. Todas as informações a seguir são oficiais e podem ser conferidas no próprio site do TSE:
Pergunta 1: das 30 camadas de segurança, alguma foi projetada para proteger os códigos-fonte de um ataque interno?
As urnas possuem 30 camadas de segurança projetadas para protegê-las de ataques EXTERNOS realizados por hackers. Dentre as muitas qualidades das urnas eletrônicas brasileiras, destacamos a seguinte:
“Ao todo, existem 30 camadas de segurança que protegem os sistemas da urna de qualquer tentativa de invasão. Para alterar uma informação, um hacker teria de passar por todas essas barreiras, o que é praticamente inviável, já que teria de fazê-lo em um único momento: na hora da votação.”
Traduzindo: de fora para dentro é praticamente impossível um hacker invadir os sistemas do TSE e alterar o algoritmo programado na versão final do código-fonte antes dele ser compilado, assinado digitalmente e instalado nas urnas. Também é praticamente impossível um hacker alterar os resultados contabilizados pelas urnas. Não é aí que está o problema.
Pergunta 2: o código-fonte do software de votação é ou não é aberto à comunidade?
Resposta rápida e oficial do TSE:
À comunidade em geral, não.
O TSE limita o acesso para a realização de auditorias do código-fonte do software de votação apenas a outras instituições escolhidas pelo próprio TSE: “representantes técnicos dos partidos políticos, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à Polícia Federal, entre outras entidades“.
Traduzindo: apenas as muito confiáveis instituições “democráticas” e outras entidades escolhidas pelo TSE têm acesso ao código-fonte do software de votação para além da reduzida janela de tempo aberta nos Testes Públicos de Segurança. A população que vota, não tem.
Ainda que considerássemos que as instituições selecionadas pelo TSE fossem muito competentes, confiáveis e fizessem auditorias de altíssimo nível, existe outro problema. A abertura do código-fonte acontece 12 meses antes da eleição:
Quer dizer, a versão auditada e a versão instalada na urna 12 meses depois da auditoria não são as mesmas.
Teste Público de Segurança – 135 participantes até hoje
Cidadãos brasileiros com mais de 18 anos que não façam parte das “instituições” e atendam aos requisitos do edital podem participar dos Testes Públicos de Segurança. O TPS é um evento fixo no calendário eleitoral. Até hoje foram realizadas seis edições (em 2009, 2012, 2016, 2017, 2019 e 2021), as quais tiveram 135 participantes!
Os Testes Públicos de Segurança são a principal peça de propaganda do TSE para sustentar a tese de que as urnas eletrônicas são auditáveis e auditadas. O problema dos TPS é que:
- Pouquíssimas pessoas tiveram acesso aos códigos-fonte, 135 participantes até hoje;
- O ambiente é cheio de restrições, por exemplo: os participantes não podem analisar o código no seu próprio computador, utilizar as ferramentas que quiser, nem acessar a internet para submeter o código a ferramentas online, etc.;
- O teste é restrito a poucos dias, foram 189 horas de testes desde a primeira edição;
- Exige disponibilidade para deslocar-se até Brasília;
- Não permite a construção coletiva e permanente de conhecimento sobre as milhões de linhas de código que compõe os programas das urnas eletrônicas;
- A versão do código-fonte apresentada no TPS (11 meses antes das eleições) não é a versão final dos sistemas enviada para a Cerimônia de Assinatura Digital e Lacração dos Sistemas Eleitorais que são instalados nas urnas:
Resumindo: nenhum plano de teste realizado no TPS é capaz de simular um ataque interno promovido por pessoas do próprio TSE com acesso ao código-fonte, conhecimento técnico, disposição (vontade, coragem) e motivação (corrupção, chantagem, ameaça).
Por exemplo, se a versão 1.2.3.4 do código-fonte auditada na etapa de fiscalização do código-fonte (12 meses antes das eleições) e auditado na etapa do TPS (11 meses antes) for alterado um dia antes da cerimônia de assinatura digital e lacração, a versão 1.2.3.5 do programa que será instalado nas urnas será diferente da versão 1.2.3.4 auditada.
Pergunta 3: o equipamento é suscetível a ataques internos?
O TSE não diz nem que ‘sim’, nem que ‘não’. Ao invés disso, o TSE faz um jogo de palavras para dizer que ataques internos são pouco prováveis. Contudo, deixa implícito que a possibilidade existe. Quer dizer, o TSE não mente. Ele apenas desconversa.
O Tribunal Superior Eleitoral diz com todas as letras o seguinte sobre o risco de ataques internos que possam modificar o algoritmo do programa (software) instalado na urna eletrônica:
“É bastante restrito o acesso às informações da urna eletrônica. Somente um grupo pequeno de servidores e de colaboradores do TSE tem acesso ao código-fonte e está autorizado a fazer modificações no software, que é o mesmo em todo o Brasil e está sob controle estrito do TSE. Além disso, o conhecimento sobre os sistemas eleitorais é segregado dentro do TSE. Isso significa que a equipe responsável pelo software da urna não é a mesma que cuida do sistema de totalização de resultados.”
Conclusão
Era óbvio para muita gente que, mais cedo ou mais tarde, os bolsonaristas mudariam a tática de ataque contra o processo eleitoral. Antes, diziam categoricamente que as urnas eram fraudadas e que apenas o voto impresso resolveria o problema. Era um espantalho, uma distração para criar o clima de desconfiança. Estrategicamente, deixaram para soltar a bomba do risco de ataque interno às vésperas da eleição. A bola estava cantada.
Parabéns, Srs. Ministros do STF e do TSE. Devemos mais essa instabilidade anti-democrática às “instituições democráticas”. Ora por ação, ora por omissão, vocês pavimentaram esse Estado de exceção. O ovo da serpente dentro do qual estava Bolsonaro foi chocado por todos vocês.