FECOEP: SP arrecada R$ 500 Milhões/ano para combater a pobreza, mas…

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Você sabia que o estado de São Paulo arrecada R$ 500 milhões por ano para combater a pobreza e gasta esse dinheiro com outras coisas? Nesse artigo você entenderá como a engrenagem do FECOEP [não] funciona.

FECOEP, o dinheiro extra arrecadado para o Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza

A Constituição Federal tem um artigo que diz o seguinte:

“Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem instituir Fundos de Combate à Pobreza, com os recursos de que trata este artigo e outros que vierem a destinar, devendo os referidos Fundos ser geridos por entidades que contem com a participação da sociedade civil.”

Em 2015 diversas unidades da Federação instituíram esses fundos. O estado de São Paulo criou o Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza — FECOEP — pela Lei 16.006/2015. O FECOEP trouxe uma arrecadação adicional de R$ 3,8 Bilhões entre 2016 e 2022 para SP combater a pobreza. Na Lei do FECOEP há uma determinação:

Os recursos do FECOEP não poderão ser utilizados em finalidade diversa da prevista nesta lei, nem serão objeto de remanejamento, transposição ou transferência.

Substituição vs. Reforço – O que diz o Tribunal de Contas

Os números mostrados a seguir mostram que houve “remanejamento, transposição ou transferência” e convergem com a determinação do Tribunal de Contas do Estado para que o governo do estado de São Paulo:

Cesse a prática de utilizar os recursos do FECOEP como mera substituição de receita para as Secretarias e órgãos beneficiados de modo que os recursos do FECOEP representem um reforço orçamentário, possibilitando que sejam ampliadas ou desenvolvidas novas políticas públicas com a finalidade de combate e erradicação da pobreza e para que o esforço social, traduzido no adicional de ICMS, constitua efetivamente meio de concretizar a intenção do legislador com a criação do fundo.

Visão geral dos recursos arrecadados via FECOEP

Para alguém saber se uma fonte de recursos está ou não sendo objeto de remanejamento, transposição ou transferência, existem algumas maneiras. Uma delas é olhar para o orçamento público a partir da classificação funcional da despesa. Essa classificação mostra em que grande área de atuação governamental a despesa será realizada.

A principal função aonde os recursos do FECOEP do estado de São Paulo foram gastos foi a função Assistência Social: 55,1%.

Será que o governo paulista gastou mais ou menos dinheiro com a função Assistência Social desde que começou a arrecadar $ extra pelo FECOEP? Se gastou mais, cumpriu seu dever. Se gastou menos, pode ser que tenha cometido “remanejamento, transposição ou transferência“, o que é ilegal.

O [não] combate à pobreza no estado de São Paulo

O melhor modo de comparar isso não é olhando o montante em R$ que foi gasto de um ano para outro com essa função. Olhar o valor em R$ não permite comparar as proporções em relação ao total arrecadado pelo governo.

O jeito correto de comparar se o governo gastou mais ou menos dinheiro com uma função é comparar o % gasto com aquela função em relação ao total que foi gasto (ou arrecadado) pelo governo. A linha de base do FECOEP é 2015, pois de 2016 em diante começou a entrar dinheiro extra nos cofres do estado para combater a pobreza.

Vamos analisar a média percentual gasta com a função 08 – Assistência Social. Para facilitar a visualização dos números na tabela, considerem que 0,01% equivale a 1 Ponto Base. Em 2015 o governo do estado de São Paulo gastou 0,41% do orçamento estadual com Assistência Social. Na média entre 2016 e 2022, entretanto, ele gastou 0,36%. Ou seja: gastou menos.

Podemos analisar também pelo saldo acumulado após 2015. Vemos que, ao invés de gastar igual ou mais com Assistência Social, o governo paulista gastou -0,33%. Traduzindo: em relação ao orçamento de 2022, o governo está com um saldo devedor desde 2015 para a função Assistência Social de -0,33%. Quer dizer, em vez de ter feito um reforço orçamentário com os mais de R$ 3,8 Bilhões arrecadados via FECOEP (o correspondente a 141 Pontos Base, ou 1,41% do orçamento de 2022), o governo de SP gastou menos do que gastou em 2015.

Traduzindo: tendo 2015 como linha de base, sabemos que de 2016 em diante o governo do estado de São Paulo gastou menos com a função Assistência Social. Ou seja, o dinheiro arrecadado pelo FECOEP foi destinado para outras funções, mas não para Assistência Social.

Remanejamento, transposição ou transferência na função Assistência Social

Outra forma de visualizar o “remanejamento, transposição ou transferência” com os recursos do FECOEP é olhando para as fontes das receitas atribuídas a todas as despesas realizadas na função Assistência Social:

Olhando para a linha rosa: em 2015 o governo estadual gastou 0,41% do orçamento em Assistência Social. De 2016 em diante começou a gastar sucessivamente menos (0,37% em 2016, 0,31% em 2017, 0,30% em 2018 e em 2019, e voltou para o patamar de 0,41% apenas em 2020).

Olhando para as linhas azul e vermelha: até 2018 o governo estadual não utilizou recursos da fonte FECOEP na função Assistência Social. Em 2019 começou a gastar. Gastou 0,19% com uma mão (fonte FECOEP, em vermelho), mas reduziu 0,19% com a outra (outras fontes, em azul). Ou seja: em 2019 foi um jogo de soma zero, literalmente.

Resumindo: desde 2016, ano em que o dinheiro do FECOEP começou a entrar a uma média de 21 Pontos Base por ano, a função Assistência Social não recebeu um reforço orçamentário de 21 PB em nenhum dos anos.

Remanejamento, transposição ou transferência nas ações que receberam dinheiro do FECOEP

Agora vamos mergulhar dentro das ações que receberam recursos do FECOEP e comparar suas fontes de recursos. Queremos enxergar se houve ou não “remanejamento, transposição ou transferência” dos recursos.

Transposição de recursos no Programa Viva Leite

Transposição de recursos no programa Bom Prato

Transposição de recursos na Proteção Social Básica

Transposição de recursos na Proteção Social de Média Complexidade

Transposição de recursos na Proteção Social de Alta Complexidade

Conclusão

O problema da desigualdade de riqueza é grave no mundo todo e vem se agravando ao longo dos anos. No Brasil esse problema é ainda mais grave. Os governos não combatem a miséria e a desigualdade. Não se trata de incompetência. São decisões tomadas por um regime políticas e um sistema econômico que servem à manutenção de relações de produção em profunda decomposição.

São Paulo é o estado mais rico do Brasil. Os R$ 500 Milhões por ano arrecadados via FECOEP que deveriam ser um reforço orçamentário para combater a pobreza não são nada comparados aos R$ 300 Bilhões do orçamento total do estado de São Paulo.

Contudo, se nem isso o governo de um estado muito rico é capaz de alocar como reforço orçamentário em ações de combate e erradicação à pobreza, a conclusão é muito simples:

É preciso mudar!

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