Explicando os conceitos nos mínimos detalhes
Um cargo, função-atividade ou emprego público é um posto de trabalho que pode estar ocupado (provido/preenchido) ou vago. Um funcionário (servidor/empregado) público é uma pessoa que ocupa um cargo, função-atividade ou emprego público. Desta forma, deveria haver total equivalência entre o número de cargos (etc.) ocupados, e o número de funcionários (etc.) ativos (que não estão aposentados). Porém, existem duas exceções. Uma é bastante razoável; a outra, não.
Um servidor efetivo, quando ingressa no serviço público, é nomeado para ocupar o cargo permanente para o qual foi aprovado em concurso público. Este funcionário pode, ou não, ter uma relação de confiança com o dirigente do órgão ou com o Governo e ser convidado para assumir um cargo comissionado. Neste caso, o funcionário não perde seu cargo permanente, e passa a ocupar, para efeitos (digamos assim) contábeis, os dois cargos: o permanente, e o comissionado.
Então, nestes casos em que funcionários permanentes assumem, adicionalmente, cargos comissionados, é normal que, quando se cruza as duas bases de dados, existam mais cargos ocupados do que o número de funcionários, pois estes funcionários estão, para efeitos contábeis, ocupando os dois cargos (ainda que a remuneração não seja acumulada, ao menos em tese). Neste caso, o funcionário que havia sido nomeado para o cargo permanente, também foi nomeado para ocupar um cargo comissionado, de livre provimento e exoneração pelo governo.
O servidor, de fato, ocupa os dois cargos, ainda que formalmente esteja afastado do cargo permanente. Até aí, a legalidade está sendo respeitada: no pior dos cenários “contábeis” haverá um funcionário ocupando dois cargos, o que faria o número total de funcionários parecer maior do que é.
Onde começa o problema
O outro caso (e este é o problemático) acontece no sentido inverso, quando um funcionário (seja ele permanente ou comissionado) é designado para um cargo comissionado. Se quisermos usar os termos precisos, o correto não é dizer que o funcionário é designado para ocupar um cargo comissionado, mas sim designado para “responder pelo expediente” de um órgão, portanto, para responder por posição de comando (coordenação, direção, chefia etc.).
Enquanto a nomeação é um instrumento que investe um servidor dentro do cargo, inclusive para efeitos contábeis (de número de cargos ocupados), a designação não faz isso. Veja-se que o funcionário designado tanto recebe o salário daquele cargo, como adquire todas as respectivas responsabilidades e benefícios; porém, não é “contabilizado”.
Isto, que parece ser um mero jogo de palavras, na prática, leva à perversão deste mecanismo que deveria ser utilizado, exclusivamente, em duas situações, ambas temporárias.
Exceção 1 – Substituição temporária do titular
A primeira situação é aquela em que o cargo comissionado existe, já foi criado, mas o titular teve algum impedimento legal e temporário e, durante este período de vacância, poderá ser designado um substituto.
Exceção 2 – Reforma administrativa em carátar excepcional
A segunda situação é aquela em que acontece uma reforma administrativa, na qual um órgão novo é criado ou um órgão existente tem sua estrutura organizacional modificada, e ainda não houve tempo suficiente para a criação e ocupação dos cargos de chefia ou de direção correspondentes. Nestes casos, o governo está autorizado por lei ao seguinte:
Artigo 28 – Fica o Poder Executivo autorizado a conceder, por decreto, nos casos decorrentes de reforma administrativa, “pro labore” aos servidores designados para o exercício de função de chefia ou de direção de unidade existente por força de lei ou de decreto e que não tenha o cargo correspondente.
Parágrafo 4º – O disposto neste artigo será aplicado, em caráter excepcional, até a criação dos cargos correspondentes.
Artigo 29 – É vedada a aplicação do disposto no artigo anterior às unidades da administração descentralizada e ao pessoal admitido pela legislação trabalhista.
Portanto, esta situação só pode ocorrer (i) na Administração Direta (Secretarias de Estado) e (ii) por pessoal admitido pelo regime estatutário (o Estatuto do Servidor Público). Um empregado contratado em empresa pública, portanto, não pode ser designado para um cargo numa Secretaria, pois ele foi admitido pela legislação trabalhista. Não há previsão legal para isto e, portanto, é ilegal.
Até aqui, descrevemos o mecanismo, abaixo segue uma análise mais detalhada sobre seu uso.
Como é feito o abuso do instrumento
O que o Governo do Estado de São Paulo pratica é um abuso ilegal — não previsto em lei –, indiscriminado e crônico do mecanismo da designação para conceder remuneração e benefícios equivalentes aos cargos comissionados de maneira a não contabilizar sua ocupação junto àqueles que (i) existem, já estão criados, e (ii) estão vagos de maneira permanente, e não por afastamento do titular em caráter temporário.
O Governo argumenta que um cargo só estaria ocupado se o funcionário tivesse sido nomeado para o mesmo, e que, portanto, se o funcionário está “meramente” designado, então, para todos os efeitos contábeis, aquele cargo estaria vago.
Dobrando a lei com procedimentos burocráticos
No site da Unidade Central de Recursos Humanos (UCRH, unidade que possui 79% de servidores comissionados) consta o procedimento burocrático para realizar esta modalidade de designação. Assim como as demais (reforma administrativa e substituição temporária), também não entra na contabilidade dos cargos comissionados ocupados. Você pode conferir nesta página da UCRH o procedimento Designar para Função de Comando Retribuída Mediante Pro Labore e para Responder por Expediente de Cargo Vago. Dê enfase aos itens 4.2.a e 4.2.b do procedimento.
Resumidamente, a UCRH diz que o Governo tem total liberdade para nomear (e contabilizar como ocupado) ou designar (e não contabilizar), conforme o “interesse da Administração”. E, para isso, supostamente se apoiaria na legislação de referência (item 3 do procedimento).
Vale reparar que as três Leis citadas abaixo criam a autorização legal e as especificações para que aconteça a designação (substituição temporária do titular e reforma administrativa), mas restritas àquelas condições de ser algo transitório, excepcional etc. Já o Decreto, que é um instrumento inferior à Lei e, portanto, só pode dispor aquilo que alguma Lei autoriza, cria outros dois tipos/possibilidades:
- a) exercício de substituição remunerada;
- b) responder pelo expediente de unidades subordinadas;
Em nenhuma legislação parece existir autorização expressa para que o governo não contabilize os servidores designados. Então, se não quisermos ficar restritos ao aspecto da legalidade, no mínimo, trata-se de um procedimento imoral e nada transparente. Sonega-se deliberadamente da sociedade o número de pessoas da confiança do governo que está recebendo o salário de cargos comissionados que aparentam estar vagos.
Uma dúvida que poderia ser respondida pelo governo paulista é: se o cargo existe, inclusive já esteve ocupado antes, e não possui um titular que por ele responda, qual o sentido de DESIGNAR alguém para responder pelo cargo e não contabilizá-lo como ocupado?
E assim, anualmente, o Governo do Estado de São Paulo maqueia suas obrigações legais. Publica quadros aparentemente completos no Diário Oficial do Estado sobre o número de comissionados ocupados e vagos. Entretanto, não dá transparência efetiva ao número de funcionários em cargos comissionados. Se fossem 100, 200 cargos nessa condição, talvez fosse um problema menor, mas são quase 5.000 designados.
Confira na próxima página a legislação estadual que trata deste assunto.
Comissionados dificultam e complicam tudo, burocratizam, bloqueiam o uso da informatização, emperram o andamento do serviço dos concursados complicando dia a dia as necessidades dos cidadãos, infelizmente é a “corte portuguesa”. Parabéns pela coragem e iniciativa. Mais um leitor, com certeza.
Assim ficamos sabendo de como somos administrados por um governo que esconde ou dificulta os fatos verdadeiros .
Parabéns pelo excelente trabalho
Crei9 que mais que pessoas, a sociedade deva escolher projetos…e projeto nao vejo ninguém debater. Essa matéria mostra detalhe de uma pratica que deveria ser combatida…deveriamos ter metodologias de voz, tanto na formulacao quanto no desenvolvimento de politicas e praticas na gestao pública, sendo criados dispositivos de controle efetivo por parte do povo. No popular..nāo cumpriu …sai e entra outro. Se o povo constitui representantes que nao se atentam a vontade popular: FORA!
Parabéns pela iniciativa, mais um leitor
Parabéns! Tocou num dos pontos de emperraamento da máquina pública. Serei leitora.
Parabéns pelo trabalho, pesssoal! A base para propostas que revolucionem SP e o país depende de informação bem apurada e engajada. E vocês conseguiram! Ganharam um leitor!